domingo, 30 de janeiro de 2011

Um Bom Artigo Para Se Lêr!

Influência da qualidade dos contextos familiar e de creche no desenvolvimento das
crianças


Manuela Pessanha (Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto)
pessanha@ese.ipp.pt

Joaquim Bairrão (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do
Porto)
jbairrao@fpce.up.pt

Palavras-chave:
Desenvolvimento, educação, qualidade

Resumo/Abstract:
Partindo do estudo dos contextos de socialização, família e creche, em que se
processava o desenvolvimento de 120 crianças residentes no Distrito do Porto, o objectivo
principal deste trabalho foi o de examinar a influência da qualidade destes contextos no
desenvolvimento cognitivo, social e de linguagem destas crianças. Os resultados obtidos
evidenciaram a existência de efeitos, pequenos a moderados, da qualidade do ambiente
familiar no desenvolvimento das crianças estudadas apontando, também, para a ausência de
influências significativas da qualidade das creches participantes nos seus resultados
desenvolvimentais.
Durante a infância, nomeadamente durante os três primeiros anos de vida, a
participação em contextos extra-familiares de prestação de cuidados de elevada qualidade
aparece associada, de forma positiva e duradoura, aos posteriores resultados
desenvolvimentais das crianças, principalmente daquelas que são oriundas de ambientes mais
desfavorecidos ou menos estimulantes (Lamb, 1998). Esta assunção, de que os contextos
extra-familiares de prestação de cuidados poderiam constituir-se como uma oportunidade
para as crianças que se encontravam em desvantagem económica e social, no sentido de
aumentar as suas possibilidades de sucesso escolar, redimensionou o interesse pela qualidade
da prestação extra-familiar de cuidados e pelo seu impacto no desenvolvimento das crianças.
Actualmente, acredita-se que a qualidade da prestação de cuidados, familiar e extra-familiar, é a variável com maior valor prognóstico relativamente ao desenvolvimento das crianças a
nível cognitivo, social e da linguagem (Burchinal, Peisner-Feinberg, Bryant, & Clifford,
2000).
Os estudos sobre a qualidade dos cuidados para a infância e sua influência no
desenvolvimento das crianças têm procurado fundamentar-se no Modelo Ecológico do
Desenvolvimento Humano, apresentado pela primeira vez em 1979 (Bronfenbrenner, 1979).
A formulação mais recente deste modelo (Bronfenbrenner, 2004; Bronfenbrenner & Morris,
1998; Bronfenbrenner & Evans, 2000) afigura-se particularmente adequada a este tipo de
investigação. De acordo com esta conceptualização, o desenvolvimento humano é concebido
como o produto de quatro componentes e das relações entre elas: processo, pessoa, contexto e
tempo. O processo é o mecanismo primário do desenvolvimento que inclui as interacções
entre a pessoa em desenvolvimento e o meio envolvente. A influência deste processo no
desenvolvimento varia em função das características das outras três componentes do modelo,
denominadas pessoa (características biológicas e disposições), contextos ambientais
(imediatos e distais, bem como as relações entre estes contextos) e períodos de tempo nos
quais os processos ocorrem (Bairrão, 2001).
Portugal é um dos países da União Europeia que, apesar do crescimento económico
verificado nos últimos anos, continua a apresentar desigualdades sociais acentuadas pela
recente crise económica e financeira. Estas assimetrias têm-se reflectido na vida das famílias
e das crianças e têm condicionado as políticas educativas e sociais, principalmente as que se
referem à infância. De acordo com os dados mais recentes, em 2001 cerca de 20% da
população portuguesa encontrava-se numa situação de risco de pobreza (Instituto Nacional de
Estatística, 2004) e, destes, cerca de três quartos já tinha estado nessa mesma situação em
pelo menos dois dos três anos anteriores, isto é, 15% da população enfrentava uma situação
de risco de pobreza persistente. Por outro lado, de acordo com o relatório da OCDE (2004),
cerca de 70% das mulheres com filhos pequenos encontrava-se integrada no mercado de
trabalho. No respeitante à educação e cuidados prestados à infância no nosso país, constata-se
que a taxa de cobertura da rede nacional de creches era aproximadamente de 19% (Bairrão &
Almeida, 2002) e a taxa de cobertura da rede nacional de jardins de infância era de 73.9%
(Ministério da Educação, 2002).
O trabalho que, agora, apresentamos, foi realizado no âmbito do projecto A qualidade
das interacções em contexto familiar e de creche e a sua influência no desenvolvimento socio-cognitivo das crianças desenvolvido pelo Centro de Psicologia da Universidade do
Porto, entre Outubro de 2000 e Julho de 2004 e que foi financiado pela Fundação para a
Ciência e Tecnologia (Referência POCTI/PSI/35207/2000). O principal objectivo deste
projecto de investigação foi o de estudar o envolvimento enquanto variável socio-cognitiva,
em crianças com idades compreendidas entre os doze e os trinta e seis meses.
No âmbito deste projecto, desenvolvemos o presente estudo que tem como ponto de
partida a assunção de que o organismo em desenvolvimento influencia e é influenciado pelas
características do contexto em que vive (Bronfenbrenner, 1979, 1989). De acordo com esta
perspectiva, o conceito de contexto surge como um conceito fundamental. Um contexto pode
ser definido como um sistema total, integrado e organizado do qual o indivíduo é uma parte
integrante. É um sistema hierárquico de elementos, organizado desde o nível celular do
indivíduo até ao nível mais abrangente dos ambientes. O papel e o funcionamento de cada
elemento, no sistema pessoa-ambiente, depende do seu contexto em cada nível (Magnusson
& Stattin, 1998). Apesar de a família e o grupo de pares serem dois sistemas sociais
particularmente importantes, não se constituem como as únicas influências no que respeita ao
desenvolvimento e à socialização das crianças. Os contextos mais próximos encontram-se
integrados em sistemas económicos, sociais e culturais. A especificidade destes sistemas mais
afastados do indivíduo, numa sociedade particular, terá implicações nas oportunidades e nas
restrições que marcarão o funcionamento e o desenvolvimento dos ambientes mais próximos,
tais como a família, os contextos extra-familiares (creche, jardim de infância, escola) e o
grupo de pares, assim como nas oportunidades e restrições relativas ao funcionamento e
desenvolvimento dos indivíduos (Magnusson & Stattin, 1998). O desenvolvimento da maior
parte das crianças é afectado pela qualidade dos cuidados recebidos em casa e em instalações
extra-familiares e pela adequação desses cuidados ao desenvolvimento e às necessidades das
crianças. Assim, a qualidade da prestação de cuidados apresenta-se como crucial (Lamb,
1998). Neste contexto, o objectivo principal deste estudo foi o de examinar a influência da
qualidade dos contextos de socialização, família e creche, no desenvolvimento cognitivo,
social e de linguagem das crianças.
Método
Participantes
Participaram neste estudo120 crianças que frequentavam 30 salas de creche no
Distrito do Porto e respectivas famílias.
Estas 30 salas (15 salas para crianças de 1-2 anos e 15 salas para crianças de 2-3 anos)
encontravam-se integradas em 15 creches do Distrito do Porto (pertencentes a 11 Instituições
Particulares de Solidariedade Social, IPSS, e a 4 Instituições Particulares com fins lucrativos)
e abrangiam um total de 73 adultos (educadoras de infância e auxiliares de acção educativa) e
472 crianças e suas famílias. Estas instituições foram seleccionadas aleatoriamente a partir de
uma listagem fornecida pelo Departamento de Acção Social do Serviço Sub-Regional do
Porto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social. Em todos os casos foi realizado um
contacto escrito prévio, com posterior confirmação telefónica, tendo-se efectuado uma
reunião de planificação do procedimento de recolha de dados. A taxa de participação das
instituições que foram contactadas foi de 58%. Das 43 instituições contactadas, 17 foram
excluídas devido a problemas metodológicos, uma vez que não cumpriam os critérios
definidos, nomeadamente no que se refere à organização da valência de creche por grupos
etários e 11 recusaram participar. Para melhor caracterizar as salas que participaram neste
estudo, foram recolhidas informações relativas à dimensão das salas, ao rácio adulto-crianças
e à categoria profissional, nível educacional, tempo de experiência e género dos adultos
responsáveis. Para este fim, o Questionário de Avaliação das Características Estruturais de
Estabelecimentos de Educação Pré-Escolar/Creche (QSC; ECCE Study Group,1997a) foi
administrado ao Educador/Adulto responsável pelo grupo/sala (QSC-T) em data compatível
com as suas disponibilidades. Cinco salas destinadas a crianças entre 1–2 anos eram da
responsabilidade de auxiliares de acção educativa (embora com supervisão de uma educadora
de infância) e as restantes 25 eram da responsabilidade de educadoras de infância. Todos os
responsáveis eram do sexo feminino. Cerca de 84% dos adultos possuía grau superior e 33%
cinco ou menos anos de experiência.
Após as creches terem concordado participar, seleccionaram-se 8 crianças de cada
uma delas (4 da sala dos 1-2 anos e 4 da sala dos 2-3 anos, sendo 2 do sexo masculino e 2 do
sexo feminino em cada sala). Esta selecção foi realizada, de forma aleatória, a partir de uma
lista com os nomes de todas as crianças, fornecida pela responsável de cada sala. Os pais
foram contactados pela responsável da sala (educadora de infância ou auxiliar de acção
educativa) que lhes entregou uma carta redigida pela equipa deste projecto, explicando os
objectivos e os procedimentos do estudo e pedindo a sua colaboração. Devido aos objectivos
do projecto, na selecção dos participantes não foram consideradas as crianças com
necessidades educativas especiais. Não contribuíram para a constituição do grupo de
participantes outras características das crianças e suas famílias. Das 170 famílias que foram contactadas, 120 aceitaram participar no estudo o que corresponde a uma taxa de participação
de 71%. Para melhor caracterizar as famílias que participaram neste estudo, foram recolhidas
informações relativas ao estado civil, nível de escolaridade e situação profissional das suas
mães e à situação económica do agregado familiar. Para este fim, o Questionário à Família
(QF; ECCE Study Group,1997b) foi administrado às mães em data compatível com as suas
disponibilidades. A grande maioria das mães (82.4%) das crianças envolvidas no estudo eram
casadas, 13.4% das mães eram solteiras, 3.4% divorciadas e 0.8% estavam temporariamente
separadas.(...) Instrumentos
A avaliação da qualidade das salas de creche foi realizada através da aplicação da
Infant/Toddler Environment Rating Scale – ITERS (Harms, Cryer, & Clifford, 1990). Foi
utilizada uma versão portuguesa provisória da escala (Harms, Cryer, & Clifford, 1990/1994).
A ITERS constitui uma adaptação da Early Childhood Environment Rating Scale (ECERS;
Harms & Clifford, 1980) e da Family Day Care Rating Scale (FDCRS; Harms & Clifford,
1989). Apesar de ser similar no formato, o conteúdo da ITERS foi especialmente
desenvolvido para serviços dirigidos a bebés e crianças pequenas (até 30 meses de idade,
aproximadamente), no sentido de determinar a qualidade global dos cuidados e práticas
educativas. A ITERS é considerada uma medida da qualidade de processo, a dimensão da
qualidade mais directamente vivida ou sentida pelas crianças.
Segundo Aguiar, Bairrão e Barros (2002), a definição de qualidade subjacente à
ITERS integra resultados da investigação, valores profissionais e conhecimentos práticos,
revelando-se consistente com os Critérios para Programas de Educação para a Infância de
Qualidade (Criteria for Quality Early Childhood Programs) definidos pela National Academy
of Early Childhood Programs (NAEYC, 1984; in Harms, Cryer, & Clifford, 1999) e com as exigências ou objectivos do Programa Nacional de Credenciação da Child Development
Associate - CDA (CDA National Credentialing Program, 1984; in Harms et al., 1999).
Efectivamente, a ITERS fornece vários itens para avaliar as competências propostas pela
CDA.
Esta medida baseia-se numa definição global do ambiente da creche que inclui
aspectos relacionados com condições de saúde, higiene e segurança, organização do espaço,
interacção (com adultos e pares), actividades, materiais, horário e condições para pessoal e
pais. A ITERS é constituída por 35 itens, organizados de acordo com 7 categorias: Mobiliário
e sua Disposição para as Crianças, Cuidados Pessoais de Rotina, Escuta e Conversação,
Actividades de Aprendizagem, Interacção, Estrutura do Programa e Necessidades do Adulto.
Cada item é apresentado como uma escala de 7 pontos, com descritores para 1 (inadequado),
3 (mínimo), 5 (bom), e 7 (excelente). Inadequado descreve serviços que nem sequer
satisfazem necessidades relacionadas com cuidados básicos de guarda (tipo custodial);
mínimo descreve serviços que dão resposta a necessidades de guarda e, em pequeno grau, a
necessidades de desenvolvimento básicas; bom descreve dimensões básicas de cuidados de
carácter desenvolvimental; e excelente descreve cuidados personalizados de elevada
qualidade. As pontuações relativas a inadequado (1) e mínimo (3) baseiam-se, de uma
maneira geral, no fornecimento de materiais básicos e precauções de saúde e segurança. As
pontuações relativas a bom (5) e excelente (7) exigem ainda interacção positiva,
planeamento, cuidado personalizado e bons materiais (Pinto & Grego, 1994). Quando
utilizados em conjunto (calculando a média global dos itens da escala), os 35 itens da ITERS
fornecem uma imagem abrangente da qualidade dos cuidados proporcionados numa sala ou a
um grupo de crianças.
Recomenda-se que um observador treinado esteja presente durante, pelo menos, 2
horas na sala de actividades para completar esta escala. O sistema de pontuação utilizado é
muito específico: inicia-se o procedimento com a leitura dos descritores correspondentes à
pontuação 1 (inadequado), atribuindo essa pontuação se se aplicar qualquer um deles.
Prossegue-se com a leitura dos descritores seguintes, atribuindo uma pontuação de 3 ou 5 se
todos os seus indicadores se verificarem. É necessário que todos os indicadores do descritor 3
se verifiquem para atribuir qualquer pontuação superior a 3. Se não se verificarem todos os
indicadores dos descritores correspondentes às pontuações de 3, 5, e 7 atribui-se a pontuação
imediatamente inferior. É atribuída uma pontuação de 7 apenas quando se verificam todos os
indicadores dos descritores relativos às pontuações de 5 e 7 (Aguiar et al., 2002). Foi calculado o Alfa de Cronbach para determinar a consistência interna dos dados da
ITERS neste estudo. Foram utilizados apenas 33 itens: não foram considerados os itens 31
(Procedimentos para Crianças Excepcionais) e 23 (Jogos de água e areia) uma vez que o
primeiro foi aplicado apenas a uma sala e o segundo apresentava uma variância nula. A
consistência interna dos dados foi elevada, indicando que a escala mede um único constructo
(α = .80) que inclui, simultaneamente, aspectos estruturais e processuais da qualidade (Aguiar
et al., 2002). Calculou-se, igualmente, o Alfa de Cronbach para as subescalas propostas pelos
autores, no sentido de verificar a viabilidade de eventuais análises a este nível. Os valores
obtidos oscilaram entre .25 (Necessidades do adulto) e .76 (Interacção), revelando que as
categorias definidas pelos autores não se verificam na realidade e, portanto, não devem ser
incluídas como variáveis nas análises a efectuar. Note-se, ainda, que estas subescalas são
constituídas por um número muito reduzido de itens (Aguiar et al., 2002).
A avaliação da qualidade do ambiente familiar foi realizada através da aplicação da Home
Observation for Measurement of the Environment - HOME. A HOME, desenvolvida por
Caldwell e Bradley (1984), foi construída com o objectivo de avaliar a qualidade da
estimulação no ambiente familiar da criança. Numa revisão de estudos realizados acerca do
desenvolvimento durante os primeiros anos de vida, Caldwell (Caldwell, 1968, in Caldwell &
Bradley, 1984) organizou uma listagem de características dos contextos que pareciam
promover o desenvolvimento precoce. Foi com base nesta listagem que os itens da HOME
foram construídos. Os itens foram organizados com o objectivo de representarem áreas, tais
como a frequência e estabilidade do contacto com adultos, a quantidade de estimulação
verbal e desenvolvimental, a necessidade de gratificação, o clima emocional, ausência de
restrições dos comportamentos exploratórios e motores, materiais lúdicos disponíveis e
características do ambiente familiar indicadoras da existência de preocupações com a
realização. A versão inicial da HOME destinava-se a ser utilizada na avaliação do ambiente
familiar de crianças com idades compreendidas entre os zero e os três anos e era composta
por 45 itens organizados em seis subescalas. Desde esta primeira versão, outras três foram
desenvolvidas: uma destinada à avaliação da qualidade do ambiente familiar de crianças com
idades compreendidas entre os três e os seis anos, composta por 55 itens organizados em oito
subescalas; uma outra para ser utilizada com crianças de idades compreendidas entre os 6 e
os 10 anos, constituída por 59 itens organizados em oito subescalas e, ainda, uma versão
destinada a crianças com idades compreendidas entre os 10 e os 15 anos, constituída por 60
itens organizados em sete subescalas. A recolha da informação necessária para o preenchimento da escala é realizada
através de uma visita domiciliária, com uma duração que varia entre os 45 e os 90 minutos,
numa altura em que, tanto a criança, como o prestador de cuidados estão presentes e
disponíveis. O procedimento inclui uma observação e uma entrevista semi-estruturadas
realizadas da forma menos intrusiva possível, permitindo que os membros da família se
comportem o mais naturalmente possível. Durante esta visita, as interacções pais-criança são
observadas e a conversa com os pais acerca dos objectos, acontecimentos e transacções que
ocorrem são interpretadas a partir do ponto de vista da criança. O objectivo deste
procedimento é o de compreender as oportunidades e experiências a que a criança tem
acesso, isto é, de uma forma geral, compreender como é a vida de uma criança em particular
no seu meio ambiente mais íntimo.
A cotação dos itens da HOME é realizada com base num formato binário (sim/não). A
cotação, quer total, quer das diferentes subescalas é obtida através do número de respostas
sim. No presente estudo foi utilizada a versão destinada a crianças com idades compreendidas
entre os zero e os três anos que, como já foi referido, é composta por 45 itens, organizados
em seis subescalas: (I) Responsividade Emocional e Verbal da Mãe (11 itens); (II) Aceitação
do Comportamento da Criança (8 itens); (III) Organização do Ambiente Físico e Temporal (6
itens); (IV) Fornecimento de Materiais Lúdicos (9 itens); (V) Envolvimento Materno com a
Criança (6 itens); (VI) Oportunidades para a Variedade na Estimulação Diária (5 itens).
Foi calculado o Alfa de Cronbach para determinar a consistência interna dos dados da
HOME neste estudo. A consistência interna dos dados foi elevada (α = .90), indicando que a
escala mede um único constructo. Calculou-se, igualmente, o Alfa de Cronbach para as
subescalas propostas pelos autores, no sentido de verificar a viabilidade de eventuais análises
a este nível. Os valores obtidos oscilaram entre .30 (Organização do Ambiente Físico e
Temporal) e .78 (Fornecimento de Materiais Lúdicos), revelando que algumas das categorias
definidas pelos autores, nomeadamente Aceitação do Comportamento da Criança,
Organização do Ambiente Físico e Temporal e Oportunidades para a Variedade na
Estimulação Diária, não devem ser incluídas como variáveis nas análises a efectuar. Note-se,
ainda, que algumas destas subescalas são constituídas por um número muito reduzido de
itens.
A avaliação do nível de desenvolvimento das crianças foi realizada através da
aplicação das Escalas de Desenvolvimento Mental de Ruth Griffiths (Griffiths, 1984; Griffiths, 1996), um sistema de avaliação das crianças com idades compreendidas entre 0 e 8
anos, ainda sem normas aferidas para a população portuguesa, mas com adaptação provisória
ao Português de Castro e Gomes (1996). Este instrumento constitui uma escala de
desenvolvimento diferencial, fornecendo um perfil das realizações da criança. Permite
determinar a idade desenvolvimental das crianças, bem como um Quociente Geral de
Desenvolvimento, e apurar resultados desenvolvimentais nas seguintes áreas: (1) Escala A -
Locomoção (motricidade grossa); (2) Escala B - Pessoal-Social (autonomia e
desenvolvimento social); (3) Escala C - Audição e fala (linguagem); (4) Escala D -
Coordenação óculo-manual (motricidade fina); (5) Escala E - Realização (cognição); (6)
Escala F - Raciocínio prático (subescala que só é administrada a crianças a partir do 3º ano de
idade).
Foi calculado o Alfa de Cronbach para determinar a consistência interna dos dados
obtidos para a amostra do presente estudo com as Escalas Griffiths. A consistência interna
dos dados da escala global foi elevada indicando que estas escalas medem um único
constructo (α = .98). Calculou-se igualmente o Alfa de Cronbach para as diferentes Escalas
que integram este instrumento, no sentido de verificar a viabilidade de eventuais análises a
este nível. Os valores obtidos oscilaram entre .84 e .94, revelando que as diferentes Escalas
são internamente consistentes e, portanto, se confirmam empiricamente, podendo ser
incluídas como variáveis nas análises a efectuar.
Algumas dimensões do comportamento adaptativo das crianças foram avaliadas
através das Escalas de Comportamento Adaptativo de Vineland (Vineland Adaptive Behavior
Scales). Este instrumento, desenvolvido por Sparrow, Balla e Cicchetti em 1984, tem por
objectivo avaliar a independência pessoal e social de indivíduos desde o nascimento até à
idade adulta. Encontra-se disponível em três versões distintas: questionário preenchido com
base numa entrevista, entrevista com formato extenso e uma versão para ser utilizada em sala
de aula. Cada uma destas versões avalia o comportamento adaptativo em quatro áreas de
desenvolvimento: a comunicação, a autonomia, a socialização e a motricidade. As duas
entrevistas incluem, ainda, uma área centrada na avaliação de comportamentos inadequados
(ibid.).
No presente estudo, foi utilizado o questionário preenchido com base numa
entrevista. Esta versão é constituída por 297 itens que proporcionam uma avaliação global do
comportamento adaptativo em quatro áreas: (1) Comunicação (receptiva, expressiva e escrita); (2) Autonomia (considera a dimensão pessoal, a doméstica e a comunitária); (3)
Socialização (relacionamento interpessoal, tempos livres e competências sociais); e (4)
Motricidade (inclui aspectos de motricidade fina e de motricidade global).
Geralmente, a escala é administrada sob a forma de uma entrevista semi-estruturada a
alguém familiarizado com o comportamento do indivíduo em questão. A cotação atribuída a
cada item indica se o indivíduo realiza, ou não, a actividade descrita. Uma cotação de 2
significa que "sim, sempre" (quando a criança habitualmente realiza a tarefa), uma cotação de
1 significa "às vezes" (quando a criança umas vezes realiza a actividade e outras não; esta
resposta é também escolhida quando a criança está a iniciar a aprendizagem da actividade ou
comportamento mencionado ou quando a/o realiza apenas em parte) e uma cotação de 0
significa "não nunca" (quando a criança nunca ou muito raramente realiza a actividade ou
comportamento mencionado).
No âmbito do presente estudo, esta versão foi adaptada tendo em atenção, por um
lado, a reduzida faixa etária das crianças e, por outro, a especificidade dos objectivos do
próprio estudo. Assim, mantiveram-se os itens adequados à faixa etária entre os 12 e os 36
meses nas áreas de comunicação (39 itens), de autonomia (39 itens) e de socialização (31
itens). A forma de aplicação do instrumento utilizada foi a entrevista semi-estruturada. Deste
trabalho resultou uma versão composta por 109 itens a ser respondida pelas mães das crianças
envolvidas no estudo. Manteve-se a forma de cotação sugerida pelos autores.
Analisaram-se algumas características psicométricas dos dados obtidos a partir da
aplicação das Escalas de Vineland às mães das 120 crianças participantes. A consistência
interna do Índice Global foi elevada (α = .96), as subescalas Comunicação e Autonomia
revelaram uma consistência interna de .93 e a subescala Socialização revelou uma
consistência interna de .73. O valor relativamente mais baixo encontrado nesta subescala
poderá justificar-se pelo menor número de itens que a constituem.
Procedimento
Treino de aplicação: No que respeita à ITERS e previamente à observação nas salas
de actividades, os sete elementos da equipa de recolha de dados participaram numa sessão de
treino orientada pela responsável pela tradução portuguesa da escala. A maioria dos
elementos da equipa tinham já experiência prévia na sua aplicação. Este treino incluiu
instrução directa sobre a utilização da escala, complementada com observações em vídeo
(que proporcionaram oportunidades para praticar a utilização da escala e do sistema de
pontuação) e discussão sobre o sistema de pontuação (Aguiar et al., 2002). Relativamente à HOME, não foram realizados treinos de aplicação, uma vez que os
elementos da equipa que administraram esta escala possuíam formação e experiência na
aplicação do instrumento.
No que se refere às Escalas Griffiths, não foram realizados treinos de aplicação, uma
vez que os elementos da equipa que administraram esta escala possuíam formação e
experiência na aplicação do instrumento.
Em relação às Escalas de Vineland, cada elemento da equipa aplicou, previamente à
fase de recolha de dados, alguns questionários, em creches que não tinham sido seleccionadas
para participarem no estudo. Não foram administrados de forma a calcular o acordo
interobservadores, mas apenas com o intuito de cada elemento se familiarizar com a
aplicação do instrumento.
Recolha de dados: Os dados foram recolhidos entre Outubro de 2001 e Junho de
2002. O processo de recolha de dados relativo a cada creche e a cada criança foi iniciado após
resposta favorável, quer dos responsáveis pelas instituições, quer dos pais ao pedido de
autorização para observação das salas, assim como das crianças.
O elemento da equipa responsável pela recolha de dados em cada sala de actividades
permaneceu, em média, cerca de 4 semanas na respectiva sala de forma a aplicar todos os
instrumentos definidos pelo projecto de investigação mais alargado. Com base nas
informações recolhidas ao longo deste período e nas informações fornecidas pela educadora
ou auxiliar de acção educativa responsáveis pelo grupo de crianças foi possível completar a
ITERS.
Os dois elementos da equipa, cuja tarefa era recolher os dados relativos às famílias,
administraram o QF em conjunto com a HOME no decurso das visitas domiciliárias, em
entrevista às mães e na presença das crianças. Estas visitas foram previamente marcadas em
consonância com a disponibilidade das famílias. No total, este procedimento ocupou, em
média, 63 minutos.
As Escalas Griffiths foram aplicadas por dois elementos da equipa que não
participaram na avaliação da qualidade das salas. Considerou-se que a administração destas
escalas seria incompatível com a recolha de outros dados, isto é, não era possível,
simultaneamente, avaliar o desenvolvimento e realizar as outras observações e avaliações. A
aplicação foi efectuada na creche e, sempre que possível, numa sala onde não estivessem a
decorrer actividades. As Escalas de Vineland foram aplicadas às mães num espaço cedido pela creche e em
datas compatíveis com a sua disponibilidade (geralmente, nos momentos de chegada e/ou
partida das crianças).
Análises dos dados.
Efectuaram-se análises estatísticas descritivas e foram, ainda, realizadas análises com
base em modelos lineares hierárquicos, no sentido de relacionar a qualidade dos contextos de
socialização com os resultados desenvolvimentais das crianças. O Modelo Linear
Hierárquico (HLM) pode ser utilizado para calcular em que medida variáveis, medidas em
níveis diferentes, se encontram associadas (Bryk & Raudenbush, 1987). No nosso estudo, os
dados foram recolhidos, tanto a nível das crianças, como a nível das salas de creche, com
quatro crianças incluídas em cada sala e duas salas em cada creche. Os métodos HLM
permitem estimar a associação entre variáveis, medidas em diferentes níveis, tendo em
consideração que todas as crianças integradas numa sala de actividades partilharam a mesma
qualidade de prestação de cuidados e que, provavelmente, não se desenvolveram de forma
independente. Esta correlação entre as avaliações de crianças que se encontram integradas na
mesma sala de creche é tomada em consideração no HLM. As análises preliminares
revelaram que as creches, enquanto primeiro nível de variância, não contribuíam de forma
significativa para os resultados. Assim, o modelo HLM considerado mais adequado foi um
modelo de dois níveis com duas fontes de variância: a variância dentro de cada sala e a
variância entre as salas.
O significado prático dos resultados foi interpretado de acordo com as convenções
definidas por Cohen (1988, 1992).
Nas análises foi considerada a totalidade dos dados sem exclusão de outliers.
Resultados
Os valores das médias, desvios-padrão e amplitude dos dados das variáveis em estudo
são apresentados no Quadro 2. As salas de creche das instituições integradas no nosso estudo
revelaram uma qualidade global que Harms, Cryer e Clifford (1990) descreveriam como
inadequada ou, em alguns casos, mínima. A variabilidade dos dados obtidos é reduzida,
revelando uma qualidade relativamente homogénea. Oitenta e três por cento das salas revelaram uma qualidade considerada inadequada (i.e. com um resultado global inferior a 3)
e apenas 17% das salas revelaram uma qualidade mínima (i.e. com um resultado global entre
3 e 5), sem que se verificassem, na nossa amostra, salas de boa qualidade (i.e. com um
resultado global igual ou superior a 5. A variabilidade dos dados obtidos na HOME é considerável revelando uma qualidade
relativamente heterogénea.
No que diz respeito às características desenvolvimentais, as crianças obtiveram
valores médios mais elevados na subescala Realização e valores médios mais baixos na
subescala Audição e Fala. Relativamente às dimensões de comportamento adaptativo as
crianças apresentaram resultados médios mais elevados no domínio da Comunicação.
No sentido de estudarmos os efeitos que a qualidade dos contextos de socialização,
família e creche, têm no desenvolvimento das crianças neles integradas, realizámos análises
de regressão em que relacionámos a qualidade dos contextos de prestação de cuidados com os
resultados desenvolvimentais das crianças. Estas análises incluíram os resultados globais da
HOME e da ITERS, como variáveis independentes, e os resultados obtidos pelas crianças nas
Escalas Griffiths e Vineland, como variáveis dependentes. Uma vez que o nosso interesse se
focava no desenvolvimento a nível cognitivo, da comunicação e da socialização, utilizámos
os resultados obtidos nas subescalas Audição e Fala, Pessoal-Social e Realização da
Griffiths, expressos em termos de Quocientes de Desenvolvimento e os resultados obtidos nos
domínios de Comunicação e de Socialização da Vineland. A utilização dos quocientes de
desenvolvimento e não das idades desenvolvimentais, prende-se com o facto de, desta forma, podermos controlar a idade cronológica das crianças. (...) Uma qualidade mais elevada a nível do ambiente familiar encontra-se associada, de
forma estatisticamente significativa, a resultados mais elevados na Griffiths, embora a
magnitude do efeito seja pequena nas subescalas Pessoal-Social e Realização. A magnitude do
efeito é calculada com base no coeficiente de regressão e nos desvios-padrão da variável
independente e da variável dependente e possui um significado prático que pode ser interpretado
de forma semelhante ao d de Cohen, isto é, .10 pode ser interpretado como um efeito pequeno,
.30 um efeito moderado e .50 um efeito importante (NICHD Early Child Care Research
Network & Duncan, 2003). Assim, esta análise indica que, em média, uma diferença de uma
unidade na HOME se encontra relacionada com diferenças de cerca de .7 pontos na subescala
Audição e Fala, .4 na Pessoal-Social e cerca de .5 na subescala Realização e no Quociente
Global. Por outro lado, um aumento na qualidade das salas não parece encontrar-se associado,
de forma estatisticamente significativa, a resultados mais elevados na Griffiths e o cálculo do d
de Cohen indica a existência de um efeito praticamente inexistente na subescala Pessoal-Social. (...) No que diz respeito aos domínios de comportamento adaptativo verifica-se, também,
que um aumento na qualidade do ambiente familiar se encontra associado, de forma
estatisticamente significativa, a um aumento nos resultados obtidos na Vineland, apesar da
magnitude dos efeitos ser pequena. Com efeito, em média, uma diferença de uma unidade na
HOME encontra-se relacionada com diferenças de cerca de .4 pontos no Domínio de
Comunicação, .1 no Domínio de Socialização e .6 no resultado global da Vineland. No que
respeita à qualidade das salas, um aumento a este nível não parece encontrar-se associado, de
forma estatisticamente significativa, a um aumento nos resultados obtidos nesta escala e a
magnitude do efeito é pequena.
Assim, de acordo com estas análises, os resultados desenvolvimentais das crianças por
nós estudadas parecem variar em função da qualidade do ambiente familiar e não em função
da qualidade das salas de creche que frequentavam. Com efeito, um ambiente familiar de
qualidade mais elevada aparece associado a melhores resultados desenvolvimentais das
crianças.
Discussão
Muitos estudos têm evidenciado os efeitos positivos da frequência de contextos de
prestação de cuidados de elevada qualidade no desenvolvimento precoce das crianças. É hoje
consensual que estes efeitos só poderão ser apreciados de forma cabal no âmbito de pesquisas
que utilizem desenhos longitudinais que evidenciem a durabilidade destes efeitos ao longo do
tempo (e.g., Burchinal, Roberts, Riggins, Jr., Zeisel, Neebe, & Bryant, 2000; Peisner-
Feinberg, Burchinal, Clifford, Culkin, Howes, Kagan, & Yazejian, 2001; NICHD Early Child
Care Research Network & Duncan, 2003). Por exemplo, Peisner-Feinberg et al., (2001), no seu estudo, realçaram a influência contínua da qualidade da prestação extra-familiar de
cuidados em idade pré-escolar nas competências apresentadas pelas crianças nos primeiros
anos de escolaridade básica. Estes efeitos evidenciaram-se a nível de competências cognitivas
e da atenção, da linguagem receptiva, da matemática, dos problemas de comportamento e
sociabilidade e indicaram que as crianças que tinham usufruído de experiências pré-escolares
de melhor qualidade apresentavam melhores resultados desenvolvimentais ao longo de cinco
anos. Apesar de os autores apontarem para o facto de a magnitude do efeito da qualidade da
prestação extra-familiar de cuidados no desenvolvimento das crianças ser modesta e de se
esbater com o decorrer do tempo, os resultados encontrados eram consistentes com os de
outros estudos. Como é evidente, deste tipo de resultados emergem implicações importantes
no que concerne às políticas relativas à educação precoce e às práticas conducentes à
promoção do desenvolvimento das crianças. No nosso estudo não foi utilizado um desenho
longitudinal e, desta forma, pudemos, apenas, apreciar os efeitos imediatos da qualidade dos
contextos de socialização, família e creche, em alguns aspectos do desenvolvimento das
crianças, nomeadamente a nível cognitivo, social e da comunicação. De uma forma geral,
verificámos que a qualidade do ambiente familiar tinha um efeito positivo nos resultados
obtidos pelas crianças nas escalas Griffiths e Vineland e que este efeito era mais forte que o
da qualidade do contexto de creche. Apesar de os resultados obtidos pelas crianças se
encontrarem associados, de forma estatisticamente significativa, a uma qualidade mais
elevada do ambiente familiar, a magnitude destes efeitos era, na maior parte dos casos,
pequena. Encontrámos, apenas, efeitos de magnitude moderada a nível dos resultados obtidos
nas escalas Griffiths, no Quociente Global de Desenvolvimento e na subescala Audição e
Fala. Assim, a qualidade do ambiente familiar parece ter efeitos a nível do desenvolvimento
global com especial incidência a nível da linguagem, mesmo quando se controla a idade
cronológica das crianças. Por outro lado, apesar da baixa qualidade evidenciada pelas salas de
creche estudadas, constatámos que alguns resultados desenvolvimentais das crianças
pareciam variar em função da qualidade dessas mesmas salas, mesmo tendo em conta que a
magnitude dos efeitos era pequena e não era sustentada por associações estatisticamente
significativas. Desta forma, verificámos a existência de um efeito positivo, embora de
magnitude pequena, da qualidade das salas nos resultados obtidos pelas crianças nas escalas
Griffiths a nível das subescalas Audição e Fala e de Realização e do Quociente Global de
Desenvolvimento, assim como nos resultados obtidos nas escalas de Vineland, nos domínios
de Comunicação e de Socialização. Apesar da discrepância verificada relativamente aos níveis de qualidade das salas, estes resultados são consistentes com os encontrados em outros
estudos (e.g., Kontos, 1991; Burchinal et al., 2000; Peisner-Feinberg et al., 2001), isto é, a
qualidade da prestação extra-familiar de cuidados possui um valor prognóstico, de fraco a
moderado, relativamente ao desenvolvimento cognitivo e da linguagem das crianças nos
primeiros anos de vida. No entanto, no nosso estudo a qualidade do ambiente familiar
evidencia um valor prognóstico mais forte relativamente aos resultados desenvolvimentais.
Estes resultados, mais uma vez, ressaltam a importância, para o desenvolvimento das
crianças, de uma prestação extra-familiar de cuidados de elevada qualidade, principalmente
para aquelas crianças que são oriundas de ambientes familiares de menor qualidade. Howes
(1997) verificou que as crianças que se encontravam integradas em creches de baixa
qualidade desde idades precoces manifestavam, na idade pré-escolar, mais problemas na
relação com as outras crianças, sendo consideradas mais hostis e agressivas, e eram
consideradas pelos educadores como apresentando mais dificuldades de atenção e no
envolvimento em tarefas. Para além das preocupações, notórias no nosso país, no sentido de
alargar a taxa de cobertura da rede nacional de creches, será necessária, também, uma maior
preocupação com a qualidade dos cuidados e da educação que aí são disponibilizados às
crianças no sentido de promover o seu desenvolvimento. Por outro lado, o significado dos
resultados obtidos por nós só poderá ser completamente dilucidado no âmbito de um estudo
no qual a dimensão temporal seja contemplada, isto é, no qual o efeito no desenvolvimento
das crianças da frequência de contextos extra-familiares de prestação de cuidados seja
perspectivado ao longo do tempo.
Os resultados obtidos demonstram a absoluta necessidade de se melhorar a qualidade
dos cuidados prestados às crianças mais novas através de esforços sistemáticos no sentido de
melhorar o processo educativo bem como aspectos estruturais e características dos
prestadores de cuidados, através da mobilização de recursos adicionais (Aguiar et al., 2002).
Será necessário, também, repensar as políticas, estratégias de financiamento e práticas de
creditação ou credenciação que regulamentam os serviços nacionais de prestação de cuidados
à infância. Estas mudanças estão claramente dependentes de opções governamentais ao nível
da legislação, apoio à investigação e divulgação dos seus resultados, criação e apoio de
programas nacionais, etc. (Aguiar et al., ibid.). Aliás, no relatório da OCDE (2002), no que
respeita aos cuidados e educação disponibilizados às crianças em Portugal, são identificados
vários aspectos que deveriam ser alvo de atenção por parte das entidades oficiais dos quais
sobressaem a necessidade de se dar mais atenção às crianças com idades compreendidas entre os zero e os três anos, a desejabilidade de se melhorar a qualidade dos cuidados e da
educação que lhe são disponibilizados, nomeadamente através de um maior investimento na
formação dos profissionais e da utilização de procedimentos mais eficazes na avaliação dos
profissionais e dos contextos de prestação de cuidados.
Referências
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Pobreza. Destaque. Informação à Comunicação Social.

Fonte: Moodle ESE IPP

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Relação Mãe-feto


Com o nascimento do casal nasce a possibilidade de uma gravidez. Quando esta possibilidade se transforma numa realidade, de uma forma planeada ou não, desejada ou não, surge a gravidez, o início da vida de um pequeno ser, em constante desenvolvimento, e com tanto para "nos" contar.
Nesta fase, os pais começam a idealizar a criança e a visualizar o bebé como um ser perfeito e idealizado. Ao contrário do que se possa pensar, a relação mãe bebé começa bem antes do nascimento, quando a mãe está grávida.
 Jogo de fantasia: Será menino ou menina? Como vai ser? Com quem se vai parecer? (...)
A criação de fantasias criadas pela mãe tais como saber se será menino ou menina, com quem será parecido, a cor dos olhos, entre outros, são factores fundamentais para a relação mãe - feto. Um outro momento de grande importância para todas as mães neste processo de criação de fantasias é a realização de ecografias, onde a mãe vê pela primeira vez o seu filho, sendo considerado um momento muito especial.
 Numa segunda fase, momento entre os três e os seis meses, os movimentos fetais começam a ser sentidos pela mãe e mais tarde pelo pai. Até este momento mãe e filho eram um só, começando a crescer a
individualidade do bebé e consequentemente a possibilidade de uma relação, vinculação.
A vinculação é essencial para o bom desenvolvimento do feto e baseia-se numa troca íntima e profunda de sentimentos entre ambos. A ausência deste vínculo leva a criança a sentir-se rejeitada pela progenitora.
A partir dos três primeiros meses de vida intra-uterina o feto torna-se capaz de registar e de dar significado às emoções e sentimentos maternos, tanto de amor como de rejeição.
Após a oitava semana o embrião passa a feto e vai se desenvolvendo cada vez mais. À décima/décima segunda semana de gestação, o sexo da criança pode ser determinado. Na décima sexta semana, a mãe começa a sentir os movimentos do bebé, os ossos começam a desenvolver-se e as orelhas ficam bem formadas.
Com o quinto mês de gestação o feto reage a estímulos auditivos que estão sempre presentes no seu desenvolvimento, estimulando as capacidades linguísticas e psicossociais.
O som tem um papel essencial no crescimento do feto, mostra-lhe que existe algo mais a descobrir e faz-lhe companhia. Por esta razão é necessário que a grávida comunique com o filho.
Está provado que o bebé distingue a voz da mãe da das outras pessoas e que, ao fim de um mês, reage ao seu próprio nome, quando pronunciado por ela.
O feto não é um sujeito passivo, no útero materno e capta os sentimentos da mãe. Como por exemplo a ansiedade. A ansiedade materna é até benéfica para o feto, pois ao perturbar a neutralidade do ambiente uterino, perturba-o também, consciencializando-o de que é um ser distinto, separado desse ambiente.
O consumo excessivo de álcool, tabaco, medicamentos e uma alimentação desequilibrada traduzem uma grande ansiedade materna e são altamente prejudiciais ao desenvolvimento físico e psíquico do feto.
Dar pontapés e mexer-se mais activamente é a forma do bebé alertar a mãe de que está a ser perturbado. Imediatamente a futura mãe capta a mensagem e começa a passar a mão delicadamente na sua barriga, passando para o feto uma atitude de compreensão, carinho e protecção.
O feto capta todas as emoções maternas:
As que o fazem entrar em sofrimento, como a ansiedade, temor e incertezas, provocam-lhe reacções mais fortes e contínuas.
Acontecimentos graves, como perdas, ou situações que atingem directamente a gestante, como por exemplo discussões conjugais ou com pessoas próximas, são causas de grande sofrimento fetal e, muitas vezes, não há como evita-los. As de alegria e felicidade, por não alterarem o ambiente intra-uterino, permitem que os seus movimentos permaneçam suaves e harmoniosos.
Em suma, cada um de nós ao nascer, é a linguagem do desejo dos pais.

        Bee, Helen O Ciclo Vital, Artmed Editora